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sábado, 31 de dezembro de 2011

Anus Velhos

Anus Velhos

Autor: HELDER CALDEIRA
 
É absolutamente normal nos tornarmos pessoas mais sensíveis nas redondezas do calendário de festas do final de ano. O clima contagiante do Natal e a proximidade de um novo ciclo são capazes apurar e depurar nossos sentimentos. Por outro lado, a sábia natureza vive a nos presentear com os mais extraordinários exemplos, cabendo a cada um de nós a sensibilidade de percebê-los e até, quem sabe, compreendê-los. Por óbvio, nos fins de ano estamos mais suscetíveis a essa observação mais à miúde de tudo que nos cerca.

Eis que, na tarde da última quarta-feira de 2011, fui surpreendido por uma revoada de anus-pretos promovendo uma vozearia na enorme mangueira do meu quintal. Fui à cozinha, peguei um pacote de milho-de-pipoca, sentei aos pés da árvore e comecei a jogá-lo, grão a grão, na expectativa de que aqueles visitantes viessem ao chão para catá-los. Não demorou muito tempo e três anus vieram bem próximos aos meus pés. Como não há dimorfismo sexual nessa espécie de ave, não sei dizer se eram machos, fêmeas ou ambos. Mas calculei, por observação, que se tratava de uma família: dois anus velhos maiores que protegiam um menor. Provavelmente o pai, a mãe e seu filhotinho.

À sombra fresca da mangueira (uma benção nesse calorão mato-grossense!), passei longo período atento à delicada beleza daqueles dois pássaros maiores ensinando o menor a pegar o grão de milho com o bico e batê-lo com força num seixo rolado até que a semente estivesse estilhaçada feito quirela. Só depois de quebra-lo completamente, permitia-se à pajelança. Em alguns momentos, enquanto um dos anus quebrava o milho, o outro coibia o filhote de pegá-los antes que o processo estivesse terminado.

Pouco tempo depois, os outros anus que estavam na mangueira desceram e vieram compartilhar aquela ceia de milho-de-pipoca que eu proporcionara. Anus velhos e filhotes. Um bando. Todos os pais executando o mesmo movimento de quebrar a semente para seus filhotes. Lições da natureza: por incrível que possa parecer, toda vez que um abusado ou apressado filhote alheio atrevia-se a tentar catar, antes do tempo, a quirela que o pai de outrem estilhaçava, vinha seu próprio pai e lhe dava uma bela bicada repreensiva: aquilo ali não o pertencia. – Bicho estranho, bicudo, barulhento, topetudo. – sempre pensei isso dos anus-pretos. – Mas comprovadamente éticos e educados. – conclui na tarde daquela última quarta-feira de 2011.

Na noite daquele mesmo dia, nos chocamos com o absoluto inverso ganhando destaque nos jornais, portais e telejornais de todo país. Depois de passar quase um ano barrado pela Lei da Ficha Limpa, o peemedebista paraense Jader Barbalho, à surdina do recesso parlamentar e pelas mãos da senadora petista Marta Suplicy, tomou posse para cumprir seu mandato no Senado Federal, graças a uma “mãozinha togada” do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso. Logo após a solenidade tergiversa, durante coletiva à imprensa, um “filhote” roubou a cena no mais assombroso deboche ao povo brasileiro. Com apenas 9 anos de idade, devidamente vestido de terno e gravata e sob os olhos do pai ficha-suja, a cria de Jader Barbalho disparou caretas, deu língua e, da maneira mais trocista possível, deixou-se fotografar fazendo aquilo que seu pai não poderia fazer naquele momento. Jader Barbalho sorria do peralta (talvez instruído para a ação) e afirmava sem qualquer vergonha: “A Lei da Ficha Limpa foi minha maior adversária!”

A gaiatice hereditária, refletida nas caretas do filho do senador, encerra de forma emblemática um ano marcado por sucessivos casos de corrupção política e de ausência total de responsabilidade com a administração do suado dinheiro público. O dito popular garante que uma imagem vale mais que mil palavras. Eis que essa imagem foi o último tapa na cara dos brasileiros promovido pelos políticos em 2011. Diante das fotos daquele pequeno guri que já aprende a debochar da nação leniente e acomodada, por imediato lembrei-me da cena dos pássaros que presenciei horas antes sob a mangueira. Refleti: quantas lições éticas e morais poderíamos aprender com os anus velhos? Estes, sim, parecem ter alguma decência, decoro e compostura. Felizes dos anus novos. Feliz ano novo, pessoal!


HELDER CALDEIRA*

Escritor, Jornalista Político, Palestrante e Conferencista

www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br

*Autor do livro “A 1ª PRESIDENTA”, primeira obra publicada no Brasil com a análise da trajetória da presidente Dilma Rousseff e que já está entre os livros mais vendidos do país em 2011.

Fonte: Olhar Direto

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